Tuesday, September 04, 2007

Ainda a Vale

Será que esta matéria seria escrita se a Vale ainda fosse estatal...?

Executivos na vitrine | 23.08.2007
Após anos de trabalho, a Vale conseguiu formar uma geração de profissionais globais de primeira linha. Bom para ela. E para os concorrentes

Por Larissa Santana
EXAME


Durante uma recente teleconferência com analistas, o presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, deixou de lado por alguns instantes os números sobre o resultado da companhia no trimestre para fazer um comentário, no mínimo, incomum. "Muitos dos bons executivos que temos aqui estão se tornando presidentes em diferentes companhias", afirmou Agnelli aos ouvintes. Ele se referia a profissionais como o ex-gerente de projetos de não-ferrosos da Vale Luciano Ramos, que assumiu a presidência da recém-aberta operação da mineradora inglesa London Mining no Brasil, em maio. Ou como Nelson Silva, que deixou a Vale no final de 2006 para assumir o comando da divisão de alumínio da BHP Billiton, em Londres. Durante o primeiro semestre deste ano, 20 diretores e gerentes -- dos quase 1 000 que comandam as operações da Vale -- saíram da mineradora. Desse contingente, oito faziam parte de um grupo de executivos mapeados na linha de sucessão hierárquica da Vale. Eles agora estão no alto escalão de empresas como as siderúrgicas Arcelor Mittal e CSN. "Antes as nossas pessoas, em geral, saíam para ocupar cargos equivalentes em outras empresas", diz Marco Dalpozzo, diretor de recursos humanos da Vale. "Agora é mais comum que elas saiam daqui para dar um salto na carreira."

Os executivos da Vale entraram no radar de outras empresas, em primeiro lugar, pela crescente projeção internacional que a companhia ganhou nos últimos anos -- um processo semelhante ao da fabricante de aviões Embraer, que também virou alvo de concorrentes, como a americana Gulfstream. A aquisição da Inco, por 13 bilhões de dólares, em outubro de 2006, e recentes projetos em países como Moçambique e Peru estenderam a presença da companhia a 40 países. A receita bruta da Vale cresceu mais de 400% entre 2000 e 2006, quando o faturamento chegou a 46 bilhões de reais. A Vale tornou-se a segunda maior mineradora do mundo -- atrás apenas da BHP Billiton. Essa pujança acabou colocando seus profissionais numa espécie de vitrine global. Some-se a isso o fato de que o aquecimento da demanda de minério em todo o mundo aumentou a disputa por executivos que conheçam esse setor e fica fácil entender o porquê de tanto assédio na mineradora brasileira. "Nos últimos cinco anos, o mercado de minério de ferro cresceu 25%", afirma Jorge Beristain, analista do Deutsche Bank. "E esse é um setor que sofre com escassez de gente." No Grupo Foco, que representa no Brasil a consultoria de headhunting americana Staton Chase, a inclusão de executivos da Vale em processos de seleção ganhou força nos últimos meses. Entre junho e agosto, sete diretores e gerentes da empresa foram sondados -- todos para vagas em fabricantes de máquinas para mineração, que pegam carona no crescimento do setor.

Os recrutadores e os concorrentes estão atrás de gente como a mineira Vanessa Torres, que acaba de embarcar para Perth, no interior da Austrália. Aos 37 anos, 15 deles dentro da Vale, Vanessa acaba de assumir a vice-presidência de desenvolvimento de negócios na área de níquel da australiana BHP, maior rival da Vale. Ela, que começou sua jornada na Vale como trainee, ganhou exposição internacional ao participar recentemente das avaliações de compra de empresas como as mineradoras canadenses Canico, em 2005, e Inco, em 2006. Expatriada para o Canadá no ano passado, Vanessa havia se tornado diretora de projetos industriais da CVRD Inco. A experiência garantiu-lhe bons contatos e a oferta para subir mais um degrau na carreira -- algo que ela só esperava conseguir na Vale nos próximos dois ou três anos. "O desafio era irrecusável", diz.

O CRESCENTE ASSÉDIO DE OUTRAS empresas também reflete a mudança radical no perfil dos principais profissionais da Vale ocorrida nos últimos anos. Em 2005, a companhia iniciou um plano para acelerar a seleção e a formação de talentos, um tratamento de choque para deixar para trás uma cultura de gestão de pessoas que ainda lembrava os tempos de estatal. Na prática, isso representou transformar uma equipe de ótimos técnicos em executivos eficientes, capazes de articular negócios que atendessem às ambições globais da Vale. Nem todos se adaptaram à nova realidade -- e acabaram comprometendo a carreira. Quem se dispôs a mudar -- e a pleitear promoções internas -- passou por um programa intenso de formação, que inclui aulas em institutos conceituados, como o americano MIT, o suíço IMD e a Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. "As pessoas da Vale são cada vez mais bem treinadas e expostas ao que há de melhor no mundo", diz Dárcio Crespi, sócio da empresa de recrutamento de altos executivos Heidrick & Struggles. Ramos, da London Mining, por exemplo, fez parte de um grupo de mais de 200 executivos da Vale que passaram pelo novo programa de treinamento. Ele fez um curso no MIT, em 2005, e outro no IMD, em 2006. "As aulas me ajudaram principalmente a desenvolver o relacionamento com a equipe", diz o engenheiro, que recebera outras três propostas neste ano antes de aceitar o convite da London Mining.

Mais recentemente, a Vale vem trabalhando para manter a remuneração competitiva e atraente para seus executivos. Algumas das medidas foram equiparar o salário de diretores e de algumas categorias de especialistas à média mundial e reforçar o bônus anual. Embora a companhia não divulgue dados sobre a remuneração variável dos executivos, estima-se que o bônus possa chegar a até 18 salários extras no final do ano. Em 2007, pela primeira vez, um grupo de elite de 500 diretores e gerentes da Vale receberá um incentivo de longo prazo, atrelado ao rendimento das ações da companhia. Trata-se de algo bastante sedutor, sobretudo se for levado em conta que o preço dos papéis quase dobrou nos últimos 12 meses (veja quadro). O valor do bônus de longo prazo poderá ser resgatado daqui a três anos. "É um avanço, mas a cultura da empresa ainda não coloca em primeiro lugar a meritocracia", diz o sócio de um escritório brasileiro de recrutamento de altos executivos. Além da questão apontada pelo headhunter, alguns ex-diretores se ressentem do que descrevem como a excessiva centralização das decisões na figura de Agnelli.

Para especialistas, a recente leva de executivos que saíram da companhia pode representar um desafio nos próximos anos. "Alguns dos profissionais que deixaram a empresa estão levando consigo a sensibilidade da negociação e uma rede de contatos que um substituto levará tempo para conseguir", afirma um headhunter. Para tentar minimizar o problema, a Vale vem desenvolvendo um amplo programa de sucessão. Hoje, todos os 1 000 executivos da empresa indicam os subordinados que poderão ocupar seu lugar num horizonte de até três anos. Guardadas as proporções, é uma política parecida com a adotada pela GE, uma referência mundial na formação de lideranças. Para suceder Jack Welch no comando da GE, por exemplo, três executivos foram preparados -- Jeff Immelt, na época responsável pela divisão de equipamentos médicos, levou a melhor. Os outros dois -- Robert Nardelli e Jim McNerney -- deixaram a companhia para assumir, respectivamente, as presidências da Home Depot e da 3M. (Hoje, Nardelli comanda a Chrysler, e McNerney, a Boeing.) Eis o lado cruel dessa história. Mais do que nunca as empresas necessitam do que há de melhor em termos de talento. É preciso dinheiro, dedicação, tempo. Ao fazer isso, garantem o próprio futuro, mas também se tornam celeiros de bons profissionais para os concorrentes. Hoje, empresas como a Vale sabem bem que os ganhos compensam as perdas.

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