Sunday, January 15, 2006

Sunday news digest

Eu fiquei positivamente surpreendido pelo fato do meu pai haver mudado a assinatura dele de Jornal da Tarde por uma do Estadão. Muito melhor, mais qualidade editorial, mais assunto, enfim, mais tudo! Hoje, domingão ressacado, folheei o Estado quando acordei e me deparei com umas quatro ou cinco notícias que me chamaram a atenção e para as quais pensei, "opa, é melhor eu sentar com calma na varanda e ler isso direito".

Uma notícia era sobre o crescimento relativamente baixo do Brasil em 2005 perante crescimento recorde de economias "comparáveis" como Argentina, Chile, China, Venezuela e Índia. Apesar do gráfico gritante que acompanhava a notícia (uma curva mostrando a correlação negativa entre taxa de juro e crescimento do PIB trimestre a trimestre), induzindo o leitor a achar que Palocci et al estrangularam a economia, uma dose de ceticismo é pertinente na leitura desses números -
  • as economias de China e Índia vêm de patamares muito pequenos e têm industrialização ainda inferior à do Brasil (sim, é verdade!), portanto ainda vão crescer por um tempo;
  • Argentina chegou ao fundo do poço três anos atrás e desde então qualquer crescimento vai ser grande percentualmente (mesmo que o PIB da Argentina ainda seja menor que o do estado de SP)
  • Venezuela é exportadora de petróleo que é a commodity mais valorizada do momento (tudo bem, o Brasil poderia se aproveitar melhor de altas no preço do ferro ou da soja, mexendo no câmbio por exemplo, mas nada comparado ao lucro colossal dos países da OPEP em 2005)
  • Chile está, institucionalmente, politicamente, e economicamente, muito mais avançado que o Brasil, apesar de ser um país de complexidade infinitamente inferior.

A saída? Não sei. Em ano de eleição mexidas na política fiscal e na política monetária podem trazer efeitos imprevistos - o que o governo prioriza, crescimento neste ano ou mais de longo prazo?. Fora que apesar da tendência a longo prazo ser de alta nos preços de minérios e outras commodities (devido à crescente escassez), é totalmente aleatório como será o comportamento disso durante o ano. Soja, então, que é nosso principal export e não é escassa, é uma incógnita total. Acho eu. Sei lá. Vou tentar entender isso melhor. Wikipedia.

Outra coisa interessante são as eleições chilenas. Como é bom ver um debate político isolado de ideologias retrógradas como a polarização esquerda-direita. Ou mesmo democrata-republicano. Ou reacionário-progressista. O pior é no Brasil onde PSDB e PT buscam as mesmas coisas e fazem a mesma política, mas se diferenciam apenas pela embalagem (os intelectuais do PSDB versus os sindicalistas do PT) - mas ambos são de centro-esquerda!

No Chile, aparentemente, discutem problemas de verdade, e não bobagens que nem deveriam existir tipo mensalão, invasão de terras, coronelismo, e etc. A discussão é em torno de aposentadoria de servidores, de redistribuição de renda, de acordos de comércio internacionais. Mas se a gente nem do mensalão e nem do coronel Sebastião Curió consegue se livrar... como que vamos ter debates políticos e econômicos coerentes?

Aí, após algumas matérias interessantes (como o novo IBook e uma discussão se jornais deveriam ser empresas de capital aberto) veio a grande, aliás enorme, surpresa: a melhor matéria que li no domingo estava na Veja!

Ok, podem apedrejar, fui pego lendo Veja, esse câncer maligno, essa pílula azul que te mantém na Matrix e te cega quanto aos problemas de verdade do mundo, enquanto tenta vender livros de auto-ajuda e convencer que novela das oito é literatura de qualidade. Em minha defesa, estava em cima da mesa e resolvi folhear. Mas pulei o Diogo Mainardi pra não me contaminar com uma vírgula sequer.

A matéria boa era uma entrevista com um economista brasileiro da Universidade de Chicago que se define como liberal. Ele falou o que ninguém quer ouvir no Brasil:
  • Esquerda e direita são passado. São termos da Revolução Francesa que não fazem sentido nos dias de hoje com a integração do mundo. Além disso, a esquerda pura foi invalidada pela derrocada das economias centralizadas do antigo "Segundo Mundo", enquanto a direita pura, reacionária por definição, não tem mais espaço num mundo ansioso por redistribuição de renda.
  • Existe hoje duas (e apenas duas) opções viáveis de corrente política para democracias: liberal-democracia e social-democracia. Uma prioriza o crescimento (abertura do país ao mercado) e a outra a redistribuição de renda (programas sociais). As demais opções (neoconservadores republicanos nos EUA, nacionalismo a la Hugo Chavez, ultranacionalismo a la Jean Marie Le Pen) embutem preconceitos ou opções vencidas historicamente (ex. re-nacionalização da economia).
  • Num mundo ideal desprovido de conflitos de classe e de conflitos entre civilizações, o ambiente político das democracias deveria oscilar entre períodos de crescimento (governos liberais) e períodos de redistribuição (governos social-democratas).
  • PSDB e PT podem chiar mas não literalmente farinha do mesmo saco - ambos social-democratas.
  • Não existe opção liberal viável no Brasil. Os partidos definidos como "liberais" (PFL, PL, por exemplo) nada mais são que agremiações retrógradas e reacionárias - a direita derrotada. Tão pouco conscientes de sua função enquanto partidos liberais que se associam ao PSDB, que é social-democrata!
Eu me defino como social-democrata, mas tenho certeza que o Brasil seria melhor caso o debate fosse entre liberais e social-democratas, ao invés de fantasia de sindicalista retrógrado versus fantasia de professor da USP bom de papo e ruim de ação. E agora, como mudar?

Acho que vou me candidatar a alguma coisa em 2019.

(Trilha sonora: "Always", Stevie Wonder, e "Take it easy my brother Charles", Jorge Ben)

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